Antropólogo defende um novo olhar sobre os migrantes venezuelanos que vivem no Amazonas
Pelas estimativas da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados, estariam vindo no Amazonas aproximadamente cerca de 25 mil venezuelanos e ainda cerca de 1 mil indígenas warao
Ana Célia Ossame
A necessidade de se combater o preconceito de que os migrantes venezuelanos que vivem em Manaus ou em outros locais do Brasil, especialmente os índios warao não querem trabalhar, é um dos pontos destacados pelo antropólogo Sidney Antônio da Silva, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Para ele, a situação dos venezuelanos no Brasil derruba a imagem de que o País sempre acolheu bem os migrantes estrangeiros. “Acolhe bem aqueles que têm formação profissional e têm dinheiro, que não é o caso dos venezuelanos, imersos numa crise humanitária e de violação de direitos fundamentais no seu país de origem”, pontuou o antropólogo.
Pelas estimativas da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), no Amazonas estariam aproximadamente 25 mil venezuelanos e ainda cerca de 1 mil indígenas warao, que viviam em comunidades rurais.
Sidney explica que na visão dos brasileiros contrários à imigração, os venezuelanos não querem trabalhar e até fazem uma comparação com os haitianos. Mas a verdade é que na época de chegada dos haitianos em Manaus, em 2010, ainda havia empregos na construção civil e nas indústrias, fato que não acontece desde a chegada dos venezuelanos, a partir de 2015.
“Esse preconceito tem relação também com o governo da Venezuela, que seria assistencialista, mas quando há empregos para eles aqui é na informalidade e muitos são até objetos de exploração”, observa o professor, que integra na Ufam o Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (GEMA), voltado para questões relacionadas ao fenômeno migratório na Amazônia e no contexto internacional.
Diagnóstico
Em trabalho de pesquisa denominado “Diagnóstico e avaliação da migração indígena da Venezuela para Manaus, Amazonas”, organizado pelos professores Sidney Antônio da Silva, Maria Helena Ortolan e Sandro Martins de Almeida Santos, foi possível demonstrar, claramente, que se não fosse a intervenção do Ministério Público Federal (MPF), as esferas do poder público municipal, estadual e federal, não teriam entrado em consenso para implementar políticas de acolhimento aos migrantes.
A partir daquela data foram definidas construção de casas destinadas a abrigos, embora algumas dessas tenham aumentado a situação de risco para os migrantes, dada a precariedade dos ambientes.
“Antes eram pequenos grupos e optou-se pequenas casas, mas depois aumentou o fluxo e optou-se por um grande abrigo que também não deu certo, o que fez com que fossem divididos depois e alocados em bairros diferentes”, revelou Sidney
A pandemia do corona vírus agravou a situação dos venezuelanos, especialmente dos indígenas, mas mesmo para aqueles queiram ficar no Amazonas ou em outro estado do Brasil, não há empregos formais e quando as vagas, são na informalidade.
A situação dos venezuelanos, para Sidney, é delicada e o Brasil tem que fazer o possível para inserir os que querem ficar aqui, oferecendo educação e qualificação profissional. Isso porque muitos preferem ir para os países de língua hispânica. Os índios warao, por exemplo, se movimentam muito, não se fixam em um local por muito tempo, observa o professor. Para esses, a recomendação é a construção de uma melhor comunicação intercultural entre os modos de vida Warao e as instituições brasileiras.
Ao finalizar, o professor Sidney Antônio lembra que a migração é um fenômeno mundial e que é sempre bom perguntar a razão da saída dessas pessoas dos seus países, deixando famílias, casas, amigos etc.
Muitos saem pela questão econômica, política, violações e a volta deles depende da mudança dessas condições, afirma ele, citando a Lei do Estrangeiro, sancionada em 2017 que traz uma nova perspectiva para essa conduta de tratar todo migrante como problema. “Eles não são só problema e nem podem ficar invisíveis como vivem os bolivianos e peruanos em São Paulo”, critica.
A pesquisa do Gema está disponível no endereço: https://gema.ufam.edu.br/.
Fotos: MarceloCamargo (Agencia-Brasil)