DESTAQUEREGIÃO AMAZÔNICA

Brics se reúne no Rio com os olhos voltados para Belém e o futuro do clima

Cúpula no Brasil busca fortalecer alianças para o financiamento da transição energética e pode antecipar compromissos fundamentais para a COP30, marcada para novembro na capital paraense

Às vésperas da COP30, que em novembro transformará Belém no centro das discussões climáticas do planeta, o Brasil volta a assumir protagonismo internacional ao sediar, nesta semana, no Rio de Janeiro, a reunião de cúpula do Brics — grupo que hoje reúne 11 países, incluindo gigantes como China, Índia e Rússia, além de novos membros como Irã, Etiópia e Arábia Saudita.

Em um cenário global marcado por desequilíbrios climáticos, desafios energéticos e fragilidade nos acordos multilaterais, o encontro dos Brics é mais do que um fórum diplomático. É um campo de possibilidades para alinhar compromissos e repensar responsabilidades. Para o Brasil, anfitrião do evento e da próxima conferência do clima da ONU, a cúpula é uma oportunidade estratégica para construir pontes entre os países em desenvolvimento e promover uma nova liderança climática baseada na solidariedade, equidade e urgência.

Entre os principais pontos da pauta está a busca por financiamento climático concreto. Um documento com recomendações sobre esse tema já foi aprovado em maio por delegações dos países-membros, e deve ser analisado pelos chefes de Estado nesta cúpula. O texto aborda desde a reforma dos bancos multilaterais até a mobilização de capital privado e o aumento de investimentos concessional, voltado especialmente aos países mais vulneráveis.

Para o professor Antonio Jorge Ramalho da Rocha, da UnB, a expectativa é que a declaração final do Brics tenha foco no financiamento da transição energética e na defesa de arranjos multilaterais mais inclusivos. “A relevância não estará apenas em metas, mas na reafirmação de um novo contexto global que priorize o desenvolvimento sustentável e a justiça climática”, afirma.

A professora Maureen Santos, do Brics Policy Center, reforça essa visão: “Seria uma grande vitória se os Brics fechassem a reunião com compromissos financeiros voltados à transição justa. Isso já anteciparia uma das maiores discussões da COP30”.

Acordo de Paris em xeque
A cúpula acontece em um momento delicado para a agenda climática internacional. O Acordo de Paris, prestes a completar 10 anos, vive uma fase de incertezas. A saída dos Estados Unidos durante a gestão Trump — ainda que revertida depois — fragilizou sua legitimidade, e até agora apenas 28 dos quase 200 países signatários entregaram suas atualizações das NDCs (compromissos nacionais de redução de emissões). Entre os Brics, apenas Brasil e Emirados Árabes apresentaram suas revisões.

Nesse contexto, o grupo pode desempenhar um papel fundamental como vetor de pressão positiva, incentivando seus membros a apresentarem seus compromissos antes da COP30. “Uma declaração nesse sentido, mesmo que simbólica, seria uma forma de salvar o espírito de Paris e renovar a confiança no sistema multilateral”, aponta Maureen.

Uma transição sob tensão
Apesar dos discursos favoráveis à transição energética justa, a realidade econômica dos países do Brics impõe obstáculos. Economias como a do Brasil, Irã, Arábia Saudita e Rússia ainda dependem fortemente da exploração de combustíveis fósseis. No entanto, há uma proposta crescente no grupo de usar a receita do petróleo para financiar a ampliação das energias limpas — e não para sustentar modelos ultrapassados.

“O desafio é enorme. Mas se o Brics usar seu peso econômico e político para propor uma rota viável de transição — reduzindo subsídios ao carbono e incentivando energias renováveis —, poderá ser um divisor de águas nas negociações climáticas”, analisa o professor Rocha.

O Norte cobra, o Sul reage
Outro ponto crítico é o financiamento da adaptação e mitigação nos países do Sul Global. Em Bonn, na Alemanha, durante uma reunião preparatória para a COP30, representantes do G77 (grupo de países em desenvolvimento, liderado pela China) cobraram ações efetivas das nações ricas. Um artigo do Acordo de Paris estabelece essa obrigação, mas o avanço tem sido lento e desigual.

“A cúpula do Brics pode ser o espaço para pensar novos mecanismos de financiamento solidário entre países do Sul — e também para pressionar os desenvolvidos a cumprir sua parte”, ressalta Maureen.

Enquanto os olhos do mundo se voltam para Belém, o Rio de Janeiro se transforma, nesta semana, num laboratório diplomático. Entre acordos, declarações e interesses geopolíticos, há uma esperança concreta: que dos corredores do Brics saiam propostas firmes, viáveis e justas para enfrentar o maior desafio do nosso tempo — e que a capital da Amazônia, em novembro, receba um cenário político mais preparado para avançar.

Porque o tempo para acordos simbólicos passou. Agora, o que o planeta precisa é de compromisso com raízes profundas — e com frutos reais.

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