Nana Caymmi: Silencia uma voz insubmissa da Música Popular Brasileira
Filha de um Brasil profundo, Nana Caymmi partiu aos 84 anos deixando saudade nos palcos, nos discos e nos corações de fãs anônimos, artistas e familiares que reconheceram em sua voz uma força rara: a da verdade cantada sem concessões
Por Dora Tupinambá (*)
O Brasil amanheceu mais triste no feriado de 1º de maio de 2025. Perdemos a cantora que nunca teve medo de desafinar o coro dos contentes: Nana Caymmi, a intérprete visceral que traduziu como poucas as dores, amores e silêncios de uma nação marcada pela contradição. Aos 84 anos, Nana nos deixou no Rio de Janeiro, após meses de internação, levando com ela uma das vozes mais potentes — e indomáveis — da música brasileira.
Filha do compositor Dorival Caymmi e da cantora Stella Maris, Nana nasceu em berço musical, mas nunca se acomodou no nome da família. Trilhando um caminho próprio, às vezes árido, ela preferiu o risco da autenticidade ao conforto do aplauso fácil. Com mais de 30 discos lançados, é impossível falar de sua obra sem lembrar da intensidade de interpretações como Resposta ao Tempo, Não Se Esqueça de Mim, Até Pensei, entre tantas outras. Canções que se tornaram quase preces para os que vivem com o coração à flor da pele.
A despedida aconteceu no palco que tantas vezes a consagrou: o Theatro Municipal do Rio. Entre amigos, músicos, familiares e fãs, o silêncio era o protagonista. Não pela falta de palavras, mas pelo respeito diante de uma ausência que grita. O irmão Danilo Caymmi, emocionado, disse: “Nana foi uma guerreira. Brigava com a vida, com a arte e com os próprios fantasmas. E, ainda assim, encantava como ninguém”.
Mas a comoção ultrapassou o círculo íntimo da família. Artistas de várias gerações prestaram tributo. Alcione, Simone, Fafá de Belém, Maria Bethânia e tantos outros já haviam reconhecido em Nana uma figura mítica. Nas redes sociais, foram milhares de homenagens. Uma geração inteira de novos músicos — de Zé Ibarra a Liniker — citou a cantora como inspiração pela coragem de cantar o que se sente, não o que se espera.
E, entre os anônimos, há os que choram como se perdessem uma amiga. Eu, Dora Tupinambá, confesso aqui o que talvez não consiga escrever como jornalista, mas apenas como mulher: Nana cantava por mim. Quando minha vida parecia desabar, sua voz me sustentava. Quando o amor me faltava, ela me emprestava o dela. Nana era meu abrigo.
Sua partida não é só a perda de uma artista. É o fim de um modo de cantar — com as vísceras. Sem maquiagem. Sem algoritmo. Nana não fazia música para tocar em trilha de novela. Ela fazia música para tocar no fundo da alma.
Na última entrevista que deu, Nana disse que seu maior medo era ser esquecida. Não será. Nunca será.
Seu nome está cravado na eternidade sonora do Brasil.
Descanse, Nana. E obrigada.
(*) Jornalística, cabocla da Amazônia e fã anônima, mas, não menos apaixonada