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Coletivo de seringueiros da Amazônia avança na formalização e reforça nova fase da borracha nativa

Encontro em Brasília consolida articulação regional e inspira fortalecimento da sociobioeconomia amazônica

Um mês após o encontro que reuniu lideranças extrativistas da Amazônia em Brasília, entre os dias 1º e 5 de setembro, os resultados começam a se materializar: seringueiros e seringueiras seguem avançando na formalização do Coletivo Borracha Nativa da Amazônia, um movimento que pretende unir territórios, potencializar a cadeia produtiva e dar voz política a quem vive da floresta.

A iniciativa é parte do projeto Juntos pela Amazônia – Revitalização da Cadeia Extrativista da Borracha, coordenado pelo WWF-Brasil, em parceria com instituições como o Memorial Chico Mendes (MCM), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), a Fundação Michelin e a Conexsus. O projeto tem se consolidado como um dos principais eixos de revalorização da borracha nativa na região Norte, articulando produção, sustentabilidade e dignidade social.

De encontro a movimento político

O que começou como um espaço de diálogo técnico, durante a II Semana da Sociobiodiversidade, evoluiu para um marco de organização social e política.

A analista sênior do WWF-Brasil e ponto focal da borracha na Amazônia, Natasha Mendes, explica que a reunião consolidou a estrutura interna do coletivo, definiu grupos temáticos e abriu caminho para a construção de uma carta oficial de reivindicações.

“O que vimos foi o fortalecimento da governança e da representatividade dos seringueiros. Estamos falando de um movimento que une diferentes territórios e consolida uma pauta comum — de renda, de floresta em pé e de reconhecimento do trabalho extrativista”, destaca Mendes.

O coletivo nasceu em 2023, durante a primeira edição da Semana da Sociobiodiversidade, e desde então tem recebido apoio técnico e institucional para viabilizar o que seus integrantes chamam de “terceiro ciclo da borracha”, agora com base na sociobioeconomia e na valorização dos saberes tradicionais.

Economia da floresta e protagonismo local

Um dos principais avanços pós-encontro é a mobilização de associações locais para acessar crédito e atrair novos compradores.

O Memorial Chico Mendes, parceiro estratégico do projeto, tem articulado junto às comunidades a importância de fortalecer a base produtiva e de ampliar o diálogo com o poder público.

“As pessoas que estão debaixo da seringueira são as verdadeiras guardiãs da floresta. Queremos que a carta construída em Brasília seja ouvida pelo governo e que traga políticas que garantam dignidade e renda a quem mantém a floresta viva”, afirmou Jhanssem Siqueira, analista de sustentabilidade do MCM.

No Amazonas, a representatividade feminina também tem crescido. Marilurdes da Silva, da Central das Associações Agroextrativistas do Rio Manicoré (CAARIM), conta que há um novo entusiasmo entre os produtores locais.

“Durante muito tempo, o preço não compensava o esforço. Agora, com o apoio do projeto e a valorização da borracha, muitas famílias estão voltando para a atividade. Isso devolve esperança e mantém a floresta em pé”, disse.

Desafios persistem, mas o horizonte se amplia

Apesar do otimismo, ainda há entraves logísticos e estruturais — como a ausência de uma usina de beneficiamento da borracha no Amazonas e as dificuldades de emissão do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) e da Carteira do Produtor (CP).

O seringueiro José Roberto, presidente da Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Município de Pauini (ATRAMP), defende mais políticas públicas direcionadas.

“Ainda enfrentamos muita burocracia para acessar crédito e comercializar. A subvenção é importante, mas o que precisamos é de políticas contínuas e específicas para as cadeias da sociobiodiversidade. A floresta não pode depender de projetos temporários”, ressaltou.

Resultados concretos e perspectivas

Desde seu início, em 2022, o projeto “Juntos pela Amazônia” tem mostrado resultados expressivos.

A safra 2024/2025 já ultrapassa 157 toneladas de borracha, gerando R$ 2,2 milhões em renda e beneficiando cerca de 600 famílias nos municípios de Itacoatiara, Novo Airão, Eirunepé, Canutama, Pauini e Manicoré.

O impacto ambiental também é significativo: 104 mil hectares de floresta conservados diretamente e mais de 2,7 milhões de hectares protegidos indiretamente, em parceria com 13 associações produtoras.

Agora, o foco é consolidar o marco institucional do Coletivo Borracha Nativa da Amazônia, formalizar sua carta reivindicativa e garantir que suas vozes sejam ouvidas nos espaços de decisão.

Como resume Natasha Mendes, “este é o momento de transformar a borracha em símbolo de uma nova economia da floresta — feita por quem vive, trabalha e cuida dela”.

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