Mudanças climáticas já afetam um terço da população do Acre
Pesquisa revela que secas, queimadas e ondas de calor alteram hábitos, renda e saúde dos amazônidas
O impacto das mudanças climáticas deixou de ser previsão para se tornar rotina nas cidades e comunidades amazônicas. Uma pesquisa nacional intitulada “Mais Dados, Mais Saúde — Clima e Saúde na Amazônia Legal”, divulgada neste mês de outubro, mostra que mais de 30% da população do Acre afirma já ter sido diretamente afetada por secas, queimadas, enchentes ou ondas de calor extremo.
O levantamento, conduzido entre maio e julho de 2025 com mais de 4 mil entrevistados em nove estados da Amazônia Legal, revela que o clima extremo já está alterando o modo de vida, a renda e a saúde dos amazônidas. Entre povos tradicionais, indígenas, ribeirinhos e extrativistas, essa percepção chega a 42,2%, o que demonstra a vulnerabilidade das populações que dependem diretamente dos ciclos naturais para pescar, plantar e extrair da floresta.
Calor acima de 40 °C, contas mais altas e lavouras perdidas
A pesquisa aponta que 82,4% dos entrevistados relatam perceber aumento significativo na temperatura média — e, em muitos municípios do Acre, a sensação térmica ultrapassa os 40 °C.
Outros 83,4% afirmam ter notado aumento no valor das contas de energia, principalmente pelo uso constante de ventiladores e aparelhos de ar-condicionado, enquanto 73% mencionam encarecimento dos alimentos e prejuízos agrícolas causados por secas ou inundações.
As queimadas e a fumaça são outro ponto crítico: 30% da população diz ter enfrentado episódios de ar irrespirável e doenças respiratórias durante os períodos de fogo, o que agrava a vulnerabilidade de crianças e idosos nas cidades amazônicas.
“As mudanças climáticas não são um fenômeno distante. Elas já moram no nosso corpo, no nosso bolso e no nosso território”, alerta a climatologista Tânia dos Santos, uma das autoras do estudo.
Saúde física e mental em risco
Os impactos vão além do desconforto térmico. O relatório revela aumento nos casos de doenças respiratórias, hipertensão, diabetes e transtornos mentais — incluindo ansiedade e depressão associadas ao estresse ambiental.
Esse fenômeno, conhecido como “ecoansiedade” ou “ansiedade climática”, tem sido registrado com mais frequência entre jovens e mulheres da região Norte.
De acordo com o estudo, 64,7% dos entrevistados relataram ondas de calor mais intensas, 29,6% vivenciaram secas prolongadas e quase 30% disseram ter sido afetados por incêndios florestais ou fumaça densa.
Os efeitos combinados comprometem a qualidade de vida e evidenciam a urgência de políticas públicas de adaptação climática.
Povos da floresta e a desigualdade da vulnerabilidade
Os povos e comunidades tradicionais estão entre os mais expostos e menos protegidos. O estudo mostra que a dependência dos ciclos naturais para produzir, pescar e extrair coloca indígenas, ribeirinhos e seringueiros em uma posição de risco elevado.
As perdas de safras tradicionais, a morte de peixes e a redução de áreas férteis ameaçam a segurança alimentar e a economia local, especialmente em municípios como Feijó, Tarauacá e Sena Madureira.
“Nosso desafio agora é garantir que as políticas de adaptação e mitigação levem em conta as realidades locais da Amazônia. O clima está mudando mais rápido do que as nossas respostas”, reforça Tânia dos Santos.
Infraestrutura verde e justiça climática
O relatório enfatiza que a adaptação urbana é uma prioridade para o Acre e os demais estados amazônicos.
Entre as propostas estão investimentos em infraestrutura verde, proteção de mananciais, planos de drenagem urbana e programas de saúde preventiva voltados para os impactos do calor e da fumaça.
Essas medidas integram a agenda de justiça climática, que busca proteger as populações mais afetadas pelas mudanças ambientais e reduzir as desigualdades territoriais.
O cenário reforça a necessidade de políticas públicas regionais, capazes de unir ciência, saúde e planejamento urbano com o protagonismo das comunidades locais.
Cenário em transformação
Em meio a recordes de temperatura e queimadas, o Acre se torna um retrato do que acontece em toda a Amazônia: a floresta e a população que dela depende estão na linha de frente da crise climática.
O desafio é transformar o alerta em ação — com governos comprometidos, investimentos em adaptação e valorização dos saberes amazônicos.
“Não se trata mais de prever o futuro, mas de cuidar do presente. A Amazônia já sente o peso do aquecimento global, e o Acre é um dos sinais mais claros dessa urgência”, conclui a pesquisadora.