O lixo que você joga na rua volta para você
Mesmo com serviços urbanos estruturados, Manaus segue refém de um comportamento que trata o espaço público como território descartável
Por Dora Tupinambá (*)
Em Manaus, o lixo não desaparece. Ele apenas muda de lugar — e quase sempre volta. Retorna nos alagamentos recorrentes, na poluição dos igarapés, no mau cheiro, na degradação das áreas verdes e no comprometimento da saúde pública. Ainda assim, jogar lixo na rua segue sendo tratado por muitos como um gesto banal, quase invisível.
A capital amazonense vive hoje uma contradição difícil de justificar. Há coleta domiciliar regular, iniciativas de reciclagem, programas de educação ambiental e serviços urbanos em funcionamento. Mesmo assim, canteiros centrais, terrenos baldios e áreas verdes continuam sendo usados como pontos improvisados de descarte, muitas vezes poucas horas depois de terem sido limpos.
Esse cenário revela que o problema central já não está na ausência de estrutura, mas na persistência de um comportamento coletivo que normalizou o erro.
Quando a memória substitui a indignação
Os igarapés simbolizam essa contradição. Ainda é comum ouvir relatos emocionados de moradores que lembram com carinho do tempo em que nadavam em cursos d’água hoje degradados. A memória existe, mas ela raramente se converte em reação prática. Constata-se que houve vida, mas aceita-se que ela não volte.
Essa nostalgia sem ação ajuda a manter tudo exatamente como está. Preserva a lembrança, mas não o ambiente. E transforma a perda em paisagem.
O espaço público tratado como terra de ninguém
Quando o lixo é jogado em áreas comuns, a mensagem é clara: aquilo não pertence a ninguém. O que é de todos acaba sendo cuidado por poucos — e respeitado por quase ninguém. Essa lógica corrói o senso de pertencimento e enfraquece a ideia de responsabilidade coletiva.
Não se trata apenas de educação ambiental, mas de ética cotidiana. Jogar lixo em via pública, em 2025, não é falta de informação. É escolha. Uma escolha que transfere para a cidade inteira as consequências de um ato individual.
A falsa ideia de que sempre haverá alguém para limpar
A normalização do descarte irregular se sustenta na certeza de que alguém resolverá depois. Essa mentalidade transforma o serviço urbano em amortecedor permanente da irresponsabilidade e impede qualquer mudança cultural mais profunda.
Cidades que avançam não são apenas as que investem em infraestrutura, mas as que estabelecem limites claros entre o aceitável e o inaceitável. Sem isso, qualquer esforço se torna paliativo.
Um chamado direto ao cidadão
A discussão sobre lixo precisa sair do lugar-comum. Não é uma disputa entre governo e população. É um teste de maturidade urbana. Ou Manaus assume que o espaço público também é sua casa, ou continuará convivendo com uma cidade que se degrada enquanto se acostuma ao problema.
O lixo que você joga na rua não vai embora.
Ele volta.
E cobra.
(*) jornalista, amazônida e fundadora do Valor Amazônico


