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Ministério Público recorre à Justiça para condenar União e Funai por discurso discriminatório contra indígenas

No processo, o MPF pede que sejam adotadas medidas para que a situação deixe de ocorrer e que a Justiça assegure formas de reparação ao povo indígena Waimiri-Atroari

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para fazer cessar e exigir a reparação por discursos discriminatórios e perigosos incitados pelo governo brasileiro em relação aos povos indígenas, em especial ao povo Waimiri-Atroari. Para o MPF, esses discursos colocam em risco a integridade dos grupos étnicos e a estabilidade de seus territórios.

O recurso foi apresentado após sentença proferida pela 3ª Vara Federal no Amazonas em ação civil pública contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai). No processo, o MPF pede que sejam adotadas medidas para que a situação deixe de ocorrer e que a Justiça assegure formas de reparação ao povo indígena Waimiri-Atroari.

Inicialmente, ao analisar o pedido de liminar, quando já haviam sido apresentados todos os elementos no processo, a 3ª Vara Federal no Amazonas acolheu parcialmente os pedidos do MPF para determinar o direito de resposta em favor dos indígenas, mas o posicionamento sobre o assunto foi modificado na sentença, quando os pedidos foram negados. Na decisão liminar, proferida em março de 2020, a Justiça reconheceu que a liberdade de expressão contém limites e que é necessário garantir o respeito estabelecido na Constituição aos povos indígenas. Na sentença, porém, a Justiça afirma que a liberdade de expressão tem uma posição preferencial no ordenamento e que a manifestação da Advocacia-Geral da União no processo demonstra o respeito da União pelos povos indígenas, não havendo omissão na matéria.

Na ação, como também no recurso, o MPF apresentou dezenas de falas, em sua maioria proferidas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, com declarações que indicam desapreço aos povos indígenas, inferiorizando esses grupos, desde que assumiu o governo do país.

Em reunião com ministros e parlamentares em 4 de julho de 2019, no Palácio do Planalto, por exemplo, o posicionamento depreciativo e opositor do presidente à causa indígena ficou mais evidente, ao mencionar encontro com dois chefes de Estado no Japão. “Esses dois em especial achavam que estava tratando com governos anteriores que após reuniões como essa vinham para cá e demarcavam dezenas de áreas indígenas, demarcavam quilombolas, ampliavam áreas de proteção, ou seja, dificultavam cada vez mais o nosso progresso aqui no Brasil. ”, afirmou o presidente no discurso proferido na reunião, disponibilizado no site do Planalto.

Discurso leva a práticas violentas

O MPF explica que falas como esta incitam práticas violentas e representam risco concreto aos povos indígenas ou seus territórios, a exemplo do episódio ocorrido em 28 de fevereiro deste ano, em que o deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR), com o apoio de assessores e auxiliares, destruiu as correntes que controlam o acesso à terra indígena Waimiri-Atroari na BR-174.

“O episódio mostra como o discurso parcial e contrário aos povos indígenas, associado a falas enviesadas e à falta de preocupação com os ritos e procedimentos legais, favorecem um discurso de ódio e práticas violentas contra os grupos étnicos ou contra os seus territórios. No caso em exame, os relatos mencionam a manutenção em cárcere privado de alguns indígenas Waimiri-Atroari durante a quebra das correntes e a filmagem pelo deputado, que tentou fazer justiça com as próprias mãos e apresentar o resultado ao Presidente da República.”, afirmou o MPF no documento apresentado ao TRF1.

Para o MPF, as falas do presidente da República, autoridade máxima da nação, de ministros e de outros agentes públicos direcionadas aos povos indígenas – e ao povo Waimiri-Atroari especificamente – desconsideram todo o histórico de lutas por direitos e a própria Constituição Federal, além da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. “Estão baseadas em visão discriminatória sobre os povos indígenas, sem qualquer respaldo na legislação. Além disso, negam-lhes dignidade ao refutar a condição de seres humanos, e indicam o móvel da política indigenista das demandadas, que se espraia por toda a sua estrutura, repercutindo em documentos administrativos”, declarou o MPF no recurso.

Reparação pública

Como pedidos finais do processo, o MPF pede que o TRF1 obrigue a União e a Funai a adotar medidas que indiquem às autoridades públicas, nos termos da convenção contra todas as formas de discriminação racial, que não incitem ou encorajem a discriminação racial, por meio de circular e de manifestação pública dos Ministérios e da Presidência da República.

O pedido inclui também medidas que assegurem ao povo Waimiri-Atroari direito de resposta aos discursos já veiculados, com publicação de carta do povo indígena nos sites do Planalto e dos Ministérios, publicação de sequência de mensagens no perfil do Twitter do presidente Jair Bolsonaro e garantia de participação do povo Waimiri-Atroari em três ‘lives’ presidenciais.

Outras medidas são a elaboração de um plano de combate ao discurso de ódio aos povos indígenas no âmbito do Estado e da sociedade, a realização de uma cerimônia pública de pedidos de desculpas na terra indígena Waimiri-Atroari, com a presença de representantes dos governos federal e estadual, e o custeio de uma cartilha com a história desse povo, a ser distribuída na rede pública de ensino, disponibilizada nos sites do governo federal e divulgada nas redes sociais da Presidência e do presidente da República.

O recurso (apelação) foi protocolado na 3ª Vara Federal no Amazonas, a quem cabe o encaminhamento do documento ao TRF1 para julgamento.

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