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Entre sabores e saberes, o ariá floresce na literatura amazônica

Obra estreia a série Amazônia Chibata com tradução para o Tukano e receitas que celebram o tubérculo da saudade

O alimento simples e ancestral que povoou as mesas amazônicas por gerações agora ganha as páginas de um livro que promete emocionar e inspirar. “Ariá: um alimento de memória afetiva”, publicação da Editora Valer em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), será lançado nesta quarta-feira (16/4), às 17h, no restaurante Caxiri, no centro de Manaus. A entrada é gratuita e o convite é para celebrar a diversidade e a riqueza cultural da Amazônia.

Mais que um livro, a obra marca o início da série “Amazônia Chibata”, que propõe revelar os encantos da sociobiodiversidade amazônica sob a ótica de autores indígenas e não indígenas. E faz isso de forma pioneira: o conteúdo é apresentado também na língua Ye’pâ-mahsã (Tukano), falada por povos do Alto Rio Negro, onde o ariá é cultivado e reverenciado.

Com apenas 17 anos, o autor principal, Eli Minev-Benzecry, assina sua primeira publicação ao lado de mais 11 coautores — entre eles jovens, pesquisadores e representantes de comunidades tradicionais. A iniciativa surgiu das lembranças carinhosas de Eli com sua avó materna, Dona Nora, que preparava o ariá em pratos repletos de afeto. “Foi ela quem me mostrou que o alimento também pode ser história, identidade e resistência”, disse o jovem.

O livro combina pesquisa científica, narrativa sensível e um olhar afetivo sobre o ariá (Goeppertia allouia), tubérculo que, apesar de sua importância nutricional e simbólica, vem desaparecendo das feiras e mesas amazônicas. A proposta é resgatar esse patrimônio alimentar, ressignificando seu valor e estimulando o cultivo e o consumo, com foco na segurança alimentar e geração de renda para povos da floresta, das águas e das cidades.

A editora Neiza Teixeira, coordenadora da Valer, destaca a beleza da obra como expressão de “amazonidade” — um conceito que carrega pertencimento, respeito e multiplicidade. “Cada página é um convite ao saber ouvir, à escuta dos povos originários e ao diálogo entre ciência e ancestralidade. É uma obra que nasceu do amor e da dedicação”, afirma.

Além dos textos bilíngues, o livro apresenta ilustrações de Hadna Abreu e receitas elaboradas por chefs renomados, mostrando como o ariá pode estar presente em pratos contemporâneos sem perder sua essência. A tradução para o Tukano foi feita por Rosilda Maria Cordeiro da Silva, também natural do Alto Rio Negro.

Para o diretor do Inpa, Henrique Pereira, o projeto é um exemplo de ciência colaborativa e comprometida com a diversidade cultural. “O livro une tradição e inovação, resgatando o ariá como símbolo de resistência, memória e esperança num contexto de mudanças climáticas e insegurança alimentar”, declarou.

A obra é também uma preparação simbólica para a 30ª Conferência das Partes da ONU sobre o Clima (COP30), que acontecerá em Belém, em novembro. Ao trazer o ariá como símbolo, os autores mostram que o futuro da Amazônia pode (e deve) ser construído com as mãos dos seus próprios filhos, com afeto, conhecimento e compromisso.

A série “Amazônia Chibata” seguirá com novos volumes, cada um explorando um aspecto da sociobiodiversidade amazônica, sempre com tradução para uma língua indígena. O termo “chibata”, presente no vocabulário caboclo, quilombola e indígena, representa o que é bom, forte, surpreendente — exatamente como o livro e a cultura que ele celebra.

Fotos: Divulgação

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