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Amazonas vive reconfiguração religiosa com queda do catolicismo e avanço evangélico

Entre 2010 e 2022, número de católicos cai mais de 12 pontos percentuais no estado, enquanto evangélicos e sem religião ganham espaço, revelando um cenário de diversidade e mudança cultural

Por Dora Tupinambá (*)

O retrato religioso do Amazonas passou por uma transformação histórica ao longo dos últimos 12 anos. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao Censo Demográfico de 2022, revelam uma redução expressiva na proporção de católicos e um crescimento notável dos evangélicos e daqueles que se declaram sem religião. A tendência espelha uma mudança cultural profunda no estado, marcada por novas formas de crença e pertencimento.

De acordo com os números, a população católica caiu de 60,01% em 2010 para 47,39% em 2022 — uma redução de 12,6 pontos percentuais. Paralelamente, a fé evangélica avançou de 30,56% para 39,37%, representando um acréscimo de 8,81 pontos. Esse movimento reforça a consolidação do Amazonas como um dos estados com maior presença evangélica do Brasil, ocupando o terceiro lugar nacional em termos proporcionais.

Diversidade em ascensão

Além das principais vertentes do cristianismo, outros grupos religiosos também ampliaram sua presença. A proporção de pessoas sem religião subiu de 6,04% para 7,38%, acompanhando uma tendência nacional que aponta para a desinstitucionalização da fé. As chamadas “outras religiosidades” passaram de 2,77% para 4,57%. Já religiões de matriz africana, historicamente marginalizadas, saíram de uma presença quase simbólica (0,06%) para 0,33% da população amazonense.

A mudança de perfil também é visível nas cidades do interior. Em 2010, os católicos eram maioria absoluta em praticamente todos os municípios do estado. Já em 2022, mais da metade das cidades apresentaram uma proporção de católicos inferior a 50%, e em sete municípios os evangélicos passaram a representar a maioria religiosa.

Interior lidera virada evangélica

Os casos mais emblemáticos dessa mudança ocorreram nos municípios de Itamarati e Carauari, que viram aumentos de 26,1 e 24,1 pontos percentuais, respectivamente, na população evangélica. Em Itamarati, por exemplo, o número de católicos caiu de 78,1% para 46,7%, enquanto os evangélicos subiram de 13,7% para 39,8%. Em contrapartida, alguns municípios como Nhamundá (82,3% de católicos) e Boa Vista do Ramos (74,5%) ainda mantêm altas proporções de católicos.

Segundo especialistas, esse avanço evangélico está associado à presença capilarizada de igrejas e lideranças comunitárias em locais remotos, além da forte atuação social de suas instituições. Já a queda do catolicismo reflete, em parte, o distanciamento entre fiéis e uma igreja menos presente no cotidiano local, sobretudo nas áreas rurais e ribeirinhas.

Juventude, gênero e novas crenças

O Censo também destacou que a maioria dos adeptos de diferentes religiões — inclusive evangélicos, católicos, e pessoas sem religião — se concentra na faixa etária de 30 a 39 anos. Entre os evangélicos, as mulheres representam a maioria (20,9%, contra 18,5% dos homens), enquanto entre os católicos, os homens aparecem em número ligeiramente superior.

Outro dado interessante é o crescimento das religiões afro-brasileiras e indígenas. Em 2010, Umbanda e Candomblé estavam presentes em apenas oito municípios amazonenses; agora, estão em 44, com destaque para Manaus e Iranduba. As tradições indígenas, ainda que discretas numericamente (0,35% da população), têm visibilidade em estados como Amazonas, Acre e Roraima.

Fé e moradia

Ao cruzar religião e condição de moradia, o levantamento revelou que os maiores percentuais de domicílios próprios estão entre católicos (38,29%) e evangélicos (30,83%). No grupo das pessoas sem religião, apenas 5,13% possuem moradia própria — um dado que pode indicar, segundo analistas, uma correlação entre laços comunitários e estabilidade social.

O que está por trás das mudanças?

A pluralidade religiosa crescente no Amazonas não é um fenômeno isolado. Trata-se de um reflexo das transformações sociais e culturais vividas em todo o Brasil — incluindo maior liberdade de expressão religiosa, influência midiática, migrações internas e o fortalecimento de identidades regionais.

Ao longo de sua história, o Brasil deixou de ser quase exclusivamente católico — como mostrava o primeiro Censo de 1872, quando 99,7% da população foi registrada como tal — para se tornar um país de múltiplas crenças. No Amazonas, essa transição se dá com força e velocidade próprias, revelando um estado em busca de novas formas de espiritualidade, pertencimento e representação.

(*) jornalista, especialista em Administração da Informação

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