Curta amazonense emociona com Valentina Marques e denuncia o racismo estrutural na floresta
Obra gravada em Presidente Figueiredo une talento regional, ancestralidade e um grito coletivo contra a invisibilidade das mulheres negras no interior da Amazônia
Por Dora Tupinambá
No coração da floresta amazônica, onde rios cruzam histórias milenares e a cultura pulsa viva nos corpos que resistem, nasceu um filme que carrega a força de um grito contido há séculos: “Além das Manchas”, curta-metragem rodado em Presidente Figueiredo, cidade conhecida por suas cachoeiras e, agora, também por sua produção cinematográfica de resistência.
A protagonista do filme é a jovem Valentina Marques, atriz amazonense de 14 anos, que vem construindo uma carreira promissora com talento, disciplina e afeto. Neste curta, ela não apenas interpreta, mas incorpora a dor e a potência de um povo marcado pela exclusão – e pela beleza resiliente de ser negro na Amazônia.
Dirigido por Wallace Abreu e produzido por Rosa Malagueta, o filme conta a história de Mariana, uma lavadeira que chega a uma pequena comunidade ribeirinha e, com sua pele negra e seus modos simples, passa a enfrentar o preconceito velado – e muitas vezes escancarado – dos moradores. Inspirado em vivências reais da avó da produtora, o curta denuncia um racismo estrutural que ainda persiste nos rincões do Brasil, inclusive em lugares onde a natureza ensina o contrário: diversidade é riqueza.

“Minha avó era uma mulher preta, forte, que lavava roupa na beira do rio para criar os filhos. Ela foi discriminada, mas nunca abaixou a cabeça. Mariana é a voz dela, e de tantas outras mulheres silenciadas pelo tempo”, diz Rosa, emocionada.
Valentina: uma estrela da floresta
Valentina Marques, que já participou de produções como Cangaço Novo (Amazon Prime) e atuou em palcos como o Teatro Amazonas, emociona o público com sua entrega artística. Em “Além das Manchas”, ela representa o elo entre tradição e futuro, um corpo jovem carregando a memória ancestral da luta e do orgulho negro.
“Eu me reconheci muito nessa história. A dor do preconceito está presente em vários momentos da minha vida e da minha família. Mas esse filme também fala sobre amor, sobre resistência, sobre a gente não se calar mais”, afirma Valentina.
Cinema como instrumento de consciência
A obra foi financiada com recursos da Lei Paulo Gustavo, viabilizada pela Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas. As primeiras exibições gratuitas aconteceram em escolas da rede pública estadual, com rodas de conversa, oficinas e debates sobre racismo, identidade e representatividade.
Além de Valentina, o elenco reúne artistas como Agrael de Jesus, Sendí Baré, Gomes de Lima e Petta Catão, todos comprometidos com um cinema amazônico de raiz, que fala com o Brasil e com o mundo sem perder o sotaque nem a alma.
Um filme que precisa ser visto
“Além das Manchas” não é apenas um curta. É um espelho. É um chamado. É uma semente plantada em solo fértil, pronta para florescer em festivais nacionais e internacionais. E, acima de tudo, é um registro da força de um povo que, mesmo ferido, segue dançando, cantando e criando — porque a arte, na Amazônia, também é forma de cura.
Fotos: Divulgação